sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009






A COROA



Ele estava sentado no seu trono, suas mãos ficaram presas, seus pés também e colocaram a coroa. Naquele momento, sua cabeça começou a esquentar, seu couro cabeludo suava, seu cérebro estava fervendo. Tudo estava ficando escuro. Sua massa encefálica estava inchando, as veias do rosto latejavam. Uma corrente de energia passava pela coroa, ele não estava perfeitamente ciente.


Depois da coroa cravada em sua fronte, foi levado pelo povo; e sentiu nos pés hesitantes, nos joelhos que falhavam em queda, toda a aspereza das pedras ao longo das ruelas que não acabavam mais. Deixou nas calçadas seu suor, seus cabelos, sua carne, seu sangue. Deixou também seu olhar. Ele sofria, se via, mas lágrimas não concedeu. E o povo continuava a adorá–lo, sempre dizendo que era o seu salvador profetizado.


Agora atravessava um corredor onde súditos sorridentes diziam palavras amigáveis. Prostavam-se no chão para que ele caminhasse sobre os corpos. Ele não gostava daquilo. No seu castelo, de onde não se podia sair, tudo o que ele fazia era vigiado. Sentia os olhares pesando em sua nuca. Não sabia se queria continuar, mas também não sabia como desistir e cada vez que colocava a coroa, o cérebro queimava, a mente é que ardia. Essa coroa doía na inteligência, pesava no peito, rasgava-lhe a alma. E ele se perguntava, onde estava sua alma?




Carol Beck

fevereiro 2005






4 comentários:

Anônimo disse...

Cara, fiquei com vertigem lendo esse conto elíptico; porque o clima é mesmo vertiginoso de tão estranho, misterioso, inexplicado e sobretudo intrigante: seria uma execução na cadeira elétrica?


Ou é a coroação de Cristo, com os espinhos e a Via Crúcis? A atmosfera de loucura é sufocante, e eu me fazendo essas perguntas enquanto leio, preso áquele pesadelo que eu não queria sair até saber a Verdade, naquele mundo que você criou.

Anônimo disse...

Seria uma materialização da consciência de culpa / responsabilidade do poder? E os horrores vivenciados / imaginados, um fardo psicossomático?


Minha cara, isso é muito, muito profundo para um conto tão curto.


Tudo o que você escreve são pequenas jóias valiosíssimas. Cada estória é uma pedrada, forte, pesada, curta, contundente e concentrada.


Mais uma obra-prima de Carol Beck. Uma escritora única! Parabéns!

Anônimo disse...

Senhorita Beck, no conto você defende uma idéia explosiva: a Cristandade apenas se aproveitou de Cristo para moldá-lo de acordo com suas necessidades, porque o povo não é realmente cristão.


Eles realmente arrancaram os pedaços dele (tiraram as partes inconvenientes da História real que foi abafada) e o coroaram como um Deus vivo que ele nunca quis ser, porque os fiéis da massa de desesperados estavam apenas esperando um Salvador, e ele se encaixou no perfil. E esse peso do carma de ser o Messias, para ele é o pior incômodo, como uma coroa de espinhos. Esse texto tem uma mensagem subliminar fortíssima.


É um conto cheio de idéias. Provocativo. Instigante. Subversivo.

Anônimo disse...

É a interpretação da Bíblia mais humana, mais realista e mais polêmica de todas. E você expressa isso de uma forma tão surreal quanto um pesadelo. Mas esse é o ponto de vista do próprio Jesus. O mais genial no seu estilo de narrativa é contar as suas estórias como um reflexo do inconsciente do personagem.


Isso é literatura do mais alto nível! Ninguém mais escreve assim tão bem. Você é uma escritora muito mais inteligente do que se pensava. Carol Beck é uma autora com A maiúsculo.