sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009





“EU”



“Eu” diante do espelho se questiona: Será que sou eu mesmo? Ou não? Chega mais perto e não tem certeza.

Tipo um animal se reconhecendo.

“Eu” olha para a janela vê as pessoas de cima para baixo. Elas são como formigas sempre apressadas.



“Eu” toma café, observa as formigas andando em cima da mesa, são as pessoas lá fora. Abre o jornal e pergunta

“que planeta é esse? Será que tem jeito?” Vê uma noticia e engasga. A manchete “Mais um atentado terrorista contra tal país mata tantas pessoas”. Joga fora o jornal.







“Eu” vai para sala, liga a TV. No noticiário a ancora fala “Mais uma CPI foi aberta no Congresso”. Muda de canal, as noticias se repetem. Fica assim durante algum tempo, desliga a TV e vai para o quarto.









“Eu” deita na cama e fecha os olhos. Está num jardim; de repente ele se abre, “Eu” está nadando num mar infinito; começa a se afogar, “Eu” está dentro de um caixão; dentro dele está tudo escuro. “Eu” está sufocado, se debate dentro dele, suas mãos sangram de tanto arranhar a tampa; vermes passeiam por cima do seu corpo. “Eu” se pergunta: estou morto? Uma voz vinda de lá do fundo afirma que sim. “Eu” grita mas não consegue, a água começa entra pelo caixão. Sangue, terra e vermes se misturam. “Eu” fica inconsciente.









“Eu” acorda: está na mesa de trabalho; pilhas de papéis para todos os lados. “Eu” levanta todos no departamento que estão dormindo. “Eu” tenta acorda um colega. Vê o rosto do colega: está desfigurado. O colega abre os olhos: estão vermelhos. E tenta morder seu pescoço. “Eu” corre desesperado pelo corredor, uma outra pessoa tenta derrubá-lo. “Eu” está cercado, sabe do seu fim mas o chão começa a afundar. E “Eu” está preso numa cela; começar a gritar por alguém; aparece um Lobisomem e fala: “Você será nossa janta”.







“Eu” anda aflito na cela, escuta os uivos lá fora. Não sabe como sair desse labirinto, não conhece ninguém só tem a si mesmo e só vê uma alternativa. “Eu” chama o guarda, ele vêm, “Eu” começa a provocá-lo; o guarda arreganha os dentes e “Eu” se deixa morder. “Eu” sente o sangue se transforma em fogo, suas unhas crescendo, os pelos se adensando, uma força desconhecida. Com isso “Eu” destrói a cela e luta com o guarda! “Eu” dilacera o guarda e se delicia com o sangue em seus lábios e uiva. Entra numa floresta escura e densa. A única coisa que o ilumina é a Lua. Olha para ela.







Ela cresce de maneira desproporcional e brilhando mais. “Eu” não agüenta e fica cego de tanta luz em seus olhos. Não agüenta e desmaia; “Eu” está num hospital doente com um glóbulo sanguíneo crescendo na cabeça. “Eu” sente que não resta muito tempo; pega uma faca e corta os pulsos.







“Eu” morre mais uma vez e mais uma vez renasce.



“Eu” está agora numa sala de aula vendo um filme; tem um professor falando, tem dois colegas do seu lado, vozes vindas do corredor, barulho de carros e “Eu” sentado na sala me olhando.



“Eu” está dentro do universo e “Eu” sou o Universo.











por R2/D2

Caroline Cabus

outubro 2004





3 comentários:

Anônimo disse...

uau...


Gostei do pre-nome no personagem desse pesadelo kafkiano. “Eu”. Augusto dos Anjos ficaria orgulhoso. Seu outro conto inédito genial "Devorando” tem tudo a ver com ele.


Realismo Fantástico é o terreno que você domina como ninguém, Caroline. Realismo fantástico, terror gótico ou que for... vc é original! Sua prosa tem conteúdo.

Anônimo disse...

De todas as coisas que você escreve, Carol, essa foi talvez a mais profunda e inteligente:

" “Eu” diante do espelho se questiona: Será que sou eu mesmo? Ou não? Chega mais perto e não tem certeza. Tipo um animal se reconhecendo. "


Lembrei da cena dos hominídeos em "2001" contemplando o monolito; pensei muito se é aí que começa o processo de insanidade: com essa estranheza. O indivíduo não se reconhece mais. E vai perdendo a personalidade e a lucidez.


Cara, você é uma tremenda psicanalista mesmo! %!@$&@#

Eymy Bangusttovth disse...

Maravilhoso!!!