sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
PREDADORA
Ela não tinha muita esperança, seus pais haviam morrido, seu marido já não dava muita atenção e os filhos estavam criados. A rotina deixava sua mente entorpecida, não tinha opinião sobre nada e não sabia qual seria seu destino.
Cada vez que chegava em casa pensava em voltar para a rua; lá talvez tivesse um pouco mais de emoção e vida; uma coisa que ela não conhecia no lar — já nem olhava mais pra cara do marido. Ficava horas andando pela praça fazendo hora para não voltar.
Sabia das traições e falta de respeito que estava passando, mas não fazia nada por que as pessoas quando querem fazer suas vontades não se importam em passar por cima dos outros. A sua vontade estava sendo anulada; ela faria qualquer coisa para se livrar daquela rotina.
O marido e os filhos reclamavam do gosto da comida; mas ela não era cozinheira, então eles que se virassem. Afinal, ela dera a vida toda por aqueles porcos sanguessugas. Já estava na hora de tomar uma atitude diante deles. Só queria uma oportunidade para se cuidar, realizar seus sonhos e satisfazer seus desejos. Apenas esperava por essa chance.
Queria se desvencilhar para sempre deles. Não queria deixar um laço que pudesse se lembrar.
E o desejo dela foi tão forte que um dia se realizou:
Um dia, ela estava num banco pagando suas contas; os delinqüentes entraram apontando suas armas; no primeiro momento sentiu medo. Até que uma faísca passou pela sua cabeça e ela viu ali sua chance de se livrar. Aproveitando a distração de um dos assaltantes, pegou a arma e apontou para as pessoas que estavam ao redor.
— Levantem as mãos e passem toda grana que tiverem!
Os integrantes da quadrilha não podiam acreditar no que estavam vendo: uma senhora, provavelmente dona de casa, manejando uma arma!
Ela pegava tudo com uma segurança assustadora; mandava e os outros obedeciam.
Não queria receber ordens, era seu momento, iria pegar todo dinheiro possível e sumir no mundo. Não se importava em ser perseguida pela policia, o que interessava era a adrenalina, o sangue correndo nas veias, e que se danasse o resto da Humanidade. Recolheu tudo o que era possível e saiu junto com os bandidos. Eles queriam que se juntassem, respondendo disse:
— Estava cansada das pessoas só me solicitando; agora só quero fugir. E não querendo ser prepotente, essa coisa de ser bandido até que dá uma adrenalina... Não sei. Agora eu me sinto livre das amarras.
Horas depois, seu marido assistia o noticiário, “mulher comanda assalto ao banco, foge levando uma fortuna”. Ele vê sua cara pela imagem da câmera do banco, ela está alegre, ele se pergunta como aquilo pode ter acontecido.
Ele esperava tudo menos aquela atitude sem um mínimo de razão. Agora compreendia como foi mau, desatencioso e mesquinho. Tinha perdido a esposa para o submundo. Ela preferia viver na sarjeta a viver junto dele. Talvez no submundo houvesse mais dignidade e vida do que o tinha com ele.
Reviu as cenas de sua vida com ela: por um momento foram felizes, agora como tinha perdido uma parte sua, estava um bagaço. Os filhos quando viram, queriam uma atitude de sua parte, agora que se lembrava de seu jeito, sabia que ela não voltaria atrás. Passou dias à base de bebida e remédios para dormir.
Os amigos o procuravam para que ele saísse dessa fossa, mas quem conseguia? Agora era ele que estava morrendo por dentro. A decepção foi tão grande que não ia mais ao trabalho, nem cuidava da casa e nem de si.
As noticias sobre ela o minavam a cada dia. Viu que tinha fracassado e agora não tinha reação. Era um verme parasita, tinha perdido sua fonte de vida, agora só restava morrer seco, sem nenhuma gota de sangue para viver.
Ele tinha vampirizado sua alma e sua juventude. Estava sem sua fonte, e em breve iria morrer. Logo estaria realizando o sonho dela. Vê-lo morto, seco, esturricado, somente pele e osso. Quando soubesse de sua morte iria rir e soltar fogos.
O filho mais velho preocupado com ele foi visitá-lo. A casa estava um nojo, bebida espalhada, comida podre, uma sujeira que tomava conta de todos os cantos e o cheiro era insuportável. Foi andando, olhava cada canto. Nem parecia que tinha passado boa parte de sua vida ali; não reconhecia o lugar.
Até que chegou á porta do quarto dos dois. Debaixo de seus pés tinha sangue, abriu a porta do quarto, o choque foi maior do que ele esperava. Seu pai estava com o corpo todo esquartejado, não sabia como aquilo aconteceu.
De trás dele um vulto passou correndo. Correu atrás dele, quando viu quem era só sentiu a porrada na cabeça. Quando abriu os olhos, viu sua mãe, preparando uma navalha, depois foi o metal passando pelo seu pescoço. Viu ela bebendo o seu sangue num cálice.
Ela estava vingada. Pela juventude perdida e pela exploração. Segurava a cabeça de sua irmã. Era uma predadora sem escrúpulos, que viveu durante muito tempo e nunca foi presa.
por Caroline Cabus Beck
22/02/2004
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4 comentários:
AAAHHH... adorei essa ira toda: MORTE AOS PARASITAS! com muita depressão no processo, pra sentir o veneno.
E que ele saiba que foi trocado pela própria marginália. Inferior aos inferiores. Humilhação pior impossível, R2/D2.
yeah, quem sugou ontem será abatido amanhã! bom. muito bom. moralidade brutal. puta lição de moral punk.
Perfeito, delicioso: o texto já começa bem fluente, descrevendo a personagem pela situação seca e medíocre da normalidade, mas abrindo o conto com o ritmo firme e suave. Já demonstrou que sabe escrever como profissional. Eis uma ESCRITORA de verdade com o talento dos mestres nas veias.
Muito bem escrito também os detalhes do ambiente decadente, ao mesmo tempo em que constrói o clima de suspense. Perfeito clima de tensão dos melhores filmes, R2/D2.
O horror que se segue supera qualquer expectativa!... Uma verdadeira porrada no estômago do leitor.
De arrepiar. E ainda transmite a reação perplexa do personagem. A descrição da morte final é clássica, as palavras passam zunindo como o objeto cortante. Final ESPETACULAR. Um estilo completo. Você dá uma aula de narrativa.
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